O Movimento pelas Diretas-Já constituiu-se num marco da
História do Brasil, pois foi um dos pilares de sustentação da redemocratização,
na primeira metade da década de oitenta. Em 1984, pelos quatro cantos do país,
centenas de milhares de pessoas, indepentende de posições contrárias, se
juntaram com um único objetivo: conquistar o direito ao voto direto para
presidente da República. A ditadura militar, sob a falácia de uma revolução,
instalou-se no país em 1964, e, de 1968 a 1975, foi sanguinária, valendo-se de
métodos execráveis para manter o controle do sistema. A tortura, o exílio e,
principalmente, o assassinato, eram mecanismos utilizados para intimidar,
afastar ou acabar de vez com aqueles que lutavam pelos direitos coletivos –
acima de tudo, a liberdade. Depois de 1975, a ditadura tornou-se relativamente
branda e, em 1984, quando o presidente era o general João Batista Figueiredo,
não foi possível impedir a chamada abertura política, àquela altura inevitável,
e o estágio seguinte foi a redemocratização.
Mas, antes do júbilo da redemocratização, o Movimento pelas
Diretas-Já teve as expectativas frustradas, quando o Congresso Nacional não
aprovou as eleições diretas. O ranço militar, com seu conservadorismo
exacerbado, não permitiu que os brasileiros pudessem escolher diretamente o
presidente da República, permanecendo um jejum de democracia de mais de duas
décadas.
O presidente da República deveria ser escolhido pelo
Congresso Nacional, e os candidatos eram dois. Paulo Maluf, protótipo
construído pela ditadura militar, representava as oligarquias que curvavam-se
diante dos carrascos militares. Tancredo Neves, exemplo de resistência à
ditadura militar, tinha o apoio da maioria dos brasileiros, mesmo não podendo
receber seus votos. Resultado. Tancredo Neves foi eleito presidente da
República, alicerçado pelo que fora construído pelos heróis que lutaram contra
os desmandos dos militares, principalmente aqueles que sacrificaram a própria
vida, verdadeiros mártires, e também todos que participaram, de alguma maneira,
do Movimento pelas Diretas-Já. Alegria geral.
Entretanto, a alegria foi interrompida quando o presidente
da República, recém-eleito, faleceu, sem ter tempo de governar o país.
Fatalidade? Conspiração? Há defensores dessas duas teses, mas o fato é que, naquele
momento, o país passou a ser governado por um quase desconhecido, um tal de
José Ribamar Ferreira, ou José Sarney, escritor e político experiente do
Maranhão, vice-presidente da República, cujo sobrenome pomposo, aristocrático,
americanizado, contrastava com a infância humilde, mesmo simplória. Na verdade,
o sobrenome era um apelido herdado de seu pai, que se chamava Ney e era
conhecido entre os americanos que desembarcavam nos portos maranhenses, onde
trabalhava, como “sir Ney” (“senhor Ney”). Pois esse quase desconhecido, José
Sarney, um civil como Tancredo Neves, governou o país continental chamado
Brasil, de 1986 a 1989, sob o lema “Tudo pelo Social”. Na realidade, foi uma
espécie de governo transitório entre a ditadura militar e a redemocratização,
uma quase escolha democrática, sem o voto direto. E em que pesem alguns
desastres econômicos (quem não se lembra dos tempos negros em que a inflação
pairava na estratosfera, e não havia produtos para comprar, como carne?), em
seu governo, entre outras coisas, o direito à liberdade de expressão ganhou
contornos consideráveis. Mas como teria sido o governo de Tancredo Neves? Nunca
haverá uma resposta.
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